sábado, 24 de março de 2012

AGORA


Agora já posso sentar-me e olhar a lua. Falta uma semana para este projeto terminar. Estou esgotada.

sexta-feira, 23 de março de 2012

A HORTA ENCANTADA

D. Maria nasceu em Cambezes do Rio. Eram dez irmãos: três raparigas e sete rapazes. Maria era a mais velha e levava 15 anos de diferença ao mais novo. Ajudou a mãe a criar os irmãos e tinha mão pesada quando as coisas não corriam de feição.
Em meados da década de 1960, saiu da aldeia para acompanhar o irmão padre e ficou a viver em Tourém. Foi lá que conheceu aquele que viria a ser o seu marido e com quem casaria em 1967.
O Sr. José trabalhava na estiva no porto de Lisboa. Um mês depois do casamento, um acidente deixou-o dois anos no hospital. Obtida a reforma precoce, o Sr. José voltou à terra e ao trabalho na lavoura. Mas o dinheiro não chegava para criar as duas filhas e o contrabando era a solução.
Porém, a ocupação tinha os seus perigos e depois da morte de um contrabandista, D. Maria e o Sr. José decidiram que era melhor irem viver para os Estados Unidos onde D. Maria já tinha alguns dos irmãos a trabalhar:
Ele andava no contrabando, contrabando de vacas, de bezerros…E então tinham matado um homem ali em Vilar, à conta do contrabando. Uma noite fui ajudar a levar os bezerros ali a fora da aldeia e ele pôs-se por adiante e eu vim para trás. E eu estava aqui em casa a começar a comer um bocado de chouriça e de pão, já não sei o que era, e oiço dois tiros na direção onde ele ia. Ai Jesus, mataram-no! E vou a fugir às escuras, às 2 horas da manhã, por aí adiante à procura de ver alguma coisa. E nisto ouvi falar e vim espreitar aqui a estes portões lá o vi virar para cima. Já não morreste! Esta vida não presta. Vamos embora! (Maria, 9-8-2011).




Nos 18 anos vividos na zona de Boston, D. Maria e o Sr. José sempre cultivaram terra para alimentar a família. Nas casas onde viveram sempre quiseram plantar o que ia para a mesa. A terra não tinha mistério. A mãe ensinara-lhe tudo o que sabia:

A minha mãe teve sempre horta, era do que viviam. Do campo. Ajudava no trabalho da horta, quando havia as sementeiras íamos todos ajudar, plantar batatas, semear o milho, o feijão, plantar as couves, tudo. Ajudava nos trabalhos do campo e de casa. Aprendi com a minha mãe, a maior parte das coisas. E depois fui aprendendo por mim mesma. As ervas conheci pelo meu irmão. Algumas ervas já as conhecia de Cambezes e da minha mãe. A mãe usava. Eram os chás que a gente fazia, das ervas que a gente apanhava, a cidreira, abertónica, flor de carqueja, redondinha, as ervas que havia por lá, a gente apanhava-as e secava-as e depois iam-se bebendo durante o inverno. O dinheiro não havia. Não havia ordenados, não havia reformas, o dinheiro que havia era das batatas que a gente colhia, que vendia uns quilos de batatas e um bezerro, uma vaca…era o dinheiro que havia e comprava-se azeite, gás para alumiar, era luz da candeia, carvão não, carvão não comprávamos, só gás, azeite, arroz, açúcar e coisas assim, em Montalegre. (Maria, 9-8-2011)

Entre Tourém e Milford viajavam plantas e sementes. Estas rotas transnacionais permitiam também reforçar os laços não apenas com aqueles que ficavam na aldeia, mas também com os outros que tinham emigrado. As trocas da diáspora revelam a rede de parentes e amigos entre os quais circulavam, de forma generalizada, sementes e plantas. Era fácil trazer sementes e plantas para Portugal e muito mais difícil fazê-las entrar nos Estados Unidos. Para lá, o transporte de plantas e de sementes obrigava o Sr. José e a D. Maria a imaginativas estratégias de dissimulação nos controlos de fronteira:
Levei daqui um enxerto de pereira. Tinha lá vinho e tudo. Fiz uma ramada grande, plantei lá vides, fiz uma ramada grande, e até levei daqui umas videiras e ainda colhi lá vinho uns anos. Levava as sementes às vezes num bolso de um casaco por dentro, ninguém ia ver, levava muitas vezes. (José, 9-8-2011)
Sementes levei. Levei semente de couve branca, semente de couve galega. Outras sementes havia lá. De couve galega iam porque a couve de lá não dava para o caldo verde. Tinham que ir escondidas dentro de um sapato ou uma coisa qualquer. Dentro das malas. (Maria, 9-8-2011)




Hoje, a horta da casa de Tourém é um território híbrido rico em flores que se misturam com  os vegetais e com as ervas medicinais, e que juntamente com os arbustos, como o bucho e o azevinho, criam uma paisagem de formas, cores, texturas e cheiros múltiplos. Para além dos produtos hortícolas, na casa de D. Maria e do Sr. José também se colhe fruta. Semeiam-se melões e das muitas árvores, algumas enxertadas com variedades trazidas da América.
O trabalho na horta e no pomar é complementado com outras tarefas. Alguns saberes, no entanto, embora não estejam esquecidos, deixaram de se praticar. D. Maria já não faz queijo, como se fazia em casa da mãe e, embora tosquie as ovelhas, também já não fia a lã:
Tenho três grandes e três pequenas. Das grandes tiro a lã. Das pequenas não porque ainda são pequeninas. Vou matar agora para o dia 20. As outras mato-as quando calhar. A minha mãe fazia queijo e eu também fazia muito vez. Fazia-o só assim simples. Deixava-o coalhar naturalmente. Tirava a nata, fazia manteiga e do leite fazia requeijão e depois vendia-o. Fazia uns pratos e vendia e agora as mulheres dizem: Ó Maria quando fazes um queijo? Agora já não há queijos, já não vacas. Eu tinha quatro vacas, mungia o leite e fazia o queijo do leite das vacas. Das cabras não, não mungia cabras. Eu tinha duas vacas que eram de trabalho, mas para leite eram boas e vinham ali para o pátio, eu punha um banco, punha-lhe um balde com comida ou qualquer coisa e dizia ajeita-te e elas puxavam a perna para trás e eu enquanto não tirasse o leite todo elas não mexiam com a perna. Para coalhar não botava nada, deixava-o coalhar. Se era no inverno punha-o perto do fogão para apanhar calor, se era no verão, era naturalmente, para o outro dia já ficava coalhado. Agora tenho galinhas e ovelhas. Tiro a lã mas não a fabrico. (Maria, 9-8-2011)
Continua, no entanto, a tecer nas horas que lhe sobram. O tear, num dos anexos da casa, trabalha todo o ano. Nas férias, as filhas e as netas vão aprendendo a tecer. 

quarta-feira, 21 de março de 2012

OS BACALHAUS E AS ABANETAS

A semana passada fiz aquela que julguei ser a última entrevista ao Sr. Constantino. Uma manhã inteira passada a olhar para uma croça, a anotar medidas, a contar pontos, a riscar as perguntas que levava escritas no caderno. Saí de lá convencida que todas as dúvidas estavam esclarecidas. Não seria assim. Quando cheguei a casa, ao escrever uma parte do texto, verifiquei que havia uns pontos que eu não conseguia perceber como se faziam. 
Liguei-lhe anteontem e pedi aquilo que tenho sempre pudor em pedir às pessoas que entrevisto: que alterem a sua rotina e que façam coisas para eu ver e registar quando essas coisas não estavam previstas. 
Hoje, o Sr. Constantino executou by request os pontos que eu não tinha ainda percebido. Estiquei-me e pedi-lhe, ainda, que congelasse o movimento dos seus dedos enquanto tecia os juncos para eu garantir que os gestos ficavam registados. Ele não se importou, eu sei que não se importou, mas eu continuo a sentir-me desconfortável quando faço estes pedidos. 
Mostrei-lhe o meu caderno com desenhos (muito maus) da croça feitos numa altura em que eu tentava perceber como se articulavam as duas partes da peça.
Foram 11 sessões de trabalho que fizemos. E sempre a aprender coisas novas de cada vez que ia ter com ele. E a falar de coisas nossas. 


E, assim de forma inesperada, afinal as abanetas chamam-se bacalhaus. 
Bacalhaus, Sr. Constantino?! 
E ele responde: fino! 
O que na linguagem dele quer dizer: sim
E as abanetas são o quê?! 
E, segurando numa mini croça, responde: esta parte de fora, está claro!
E agora estou a mudar o texto todo :)





quinta-feira, 15 de março de 2012

AS ÁGUAS DE TOURÉM

O ramal do Ribeiro é um dos ramais que integra o sistema de regadio na aldeia de Tourém. O ramal abastece de água uma zona com o mesmo nome. Para além deste, existem outros três ramais. O ramal do Verdial, também chamado do Calvário, é aquele que abastece uma maior extensão de terras e transporta um maior volume de água. Passou a fornecer água aos habitantes que eram servidos pelo ramal de São Martinho desde que as obras de recuperação neste último deixaram de ser feitas. O ramal de São Martinho transporta atualmente um baixo volume de água. Existe, ainda, o ramal do Crastelo, mas que está inativo.

O sistema de regadio da aldeia alimenta de água três tipologias de terras: os lameiros, as terras e as hortas da aldeia. Nos lameiros semeia-se feno para alimentar o gado, nas terras, planta-se o milho, o feijão e o centeio e nas hortas cultiva-se uma variedade de produtos hortícolas.




Existem três elementos principais que compõem os ramais da aldeia: as corgas, as presas e os canais. Pela encosta da Serra da Mourela, as nascentes vão engrossando o caudal de água que, já perto da aldeia, desagua na imensa corga do Ribeiro:
Uma corga normalmente é uma extensão muito grande, como é o caso desta aqui. Vai daqui ao alto da serra. As nascentes podem não ser propriamente nas corgas, mas a água vai em direção à corga e depois vai dar origem aos rios. A primeira nascente é lá em cima, nas cativadas, e depois vai descendo e vai apanhando as várias nascentes que por aí vai havendo em direção à corga e é canalizada até ao início da aldeia onde está feita a presa para o regadio (Paulo, 15-3-2012)
Num cenário paradisíaco que mistura vegetação luxuriante e o som incessante da água a correr, encontram-se os 11 moinhos que, no passado, moíam o grão que as terras da aldeia produziam. Moinhos de maquia e moinhos dos herdeiros. Existe, ainda, o moinho onde se instalaram as turbinas que forneciam energia elétrica a Tourém:
Tourém foi a primeira aldeia do concelho de Montalegre a ter iluminação própria. Nem pública nem privada: própria. Só autorizavam ter uma lâmpada por casa e só podia estar ligada umas tantas horas. Havia um zelador que era a pessoa responsável pelo controle disto e chegava à meia noite e tinham desligar tudo. (Paulo, 15-3-2012)
Conta-se que quando ligaram a energia elétrica pela primeira vez, disseram aos mais novos para irem a correr até casa e ver quem chegaria primeiro: se eles se a eletricidade. As crianças, quando chegaram à primeira casa e viram que a luz já tinha chegado, tiveram uma enorme desilusão. Como só era autorizada uma lâmpada por casa, entre duas divisões fazia-se uma janela no alto da parede para que a lâmpada pudesse iluminar ambas as divisões.


O sistema de regadio da aldeia é regido por normas que organizam o ano em duas épocas: de 29 de junho a 8 de setembro, a água anda às horas. No resto do ano funciona o sistema de torna a torna
Para desviar as águas do canal para os respetivos terrenos, há que tapar as saídas para os terrenos dos vizinhos, o que se faz com recurso às tornadas, chapas de ferro, ou através de um processo mais arcaico, usando torrões, pedras ou mesmo as ougas, as ervas que crescem no canal.

terça-feira, 6 de março de 2012

sábado, 3 de março de 2012

ANATOMIA DE UMA PEÇA - NA OFICINA DO JOE

Há umas semanas, falei com o Joe sobre a possibilidade dele fazer uma peça e de eu poder registar todo o processo.
Na altura, a única certeza que tinha era a de que gostaria que fosse um suporte para travessas ou tachos para usar na mesa de jantar. No decurso da conversa decidiu-se que teria como elementos decorativos ovelhas e uma pastora com a capa de burel.
Este sábado, pude ver como das mãos do Joe nasce uma obra de arte. Depois de concordarmos sobre o modo como o ferro e o cobre se iriam conjugar na peça, liguei o gravador, coloquei a máquina no tripé e passei horas a deliciar-me com o saber fazer que o Joe tem nas suas mãos.
Apesar do mau tempo, o dia foi perfeito. A Gitte fez um delicioso risoto de cogumelos selvagens e rúcula (nota: preciso de umas aulas de micologia!) e os brigadeiros de chocolate e noz que tinha levado também agradaram.





Adoro esta peça :)







sexta-feira, 2 de março de 2012

A CROÇA E O JOÃO DA CORVA


O Sr. Constantino diz que não é bonito. Que já está velho para lhe fotografarem o rosto. Eu não concordo, mas respeito-lhe a vontade. Por essa razão, quando tece a croça, só lhe registo as mãos. As mãos que conseguem transformar os juncos em entrançados perfeitos.
Havia que encontrar substituto para fotografar a peça inteira. Tem o rosto de um verdadeiro transmontano, disseram-me quando me recomendaram o João da Corva como modelo. E, hoje, lá veio o João em meu auxílio. 

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Sou uma antropóloga que só pensa em comida...
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